O
DESLOCAMENTO PELA SELVA AMAZÔNICA
Inclinações que frequentemente
determinam subidas amparadas com as mãos tocando o chão, poucos metros e
segue-se um declive igualmente íngreme, ultrapassando facilmente cinquenta
graus, não raro um combatente despenca morro abaixo pela terra fofa e
escorregadia. A frequência cardíaca dispara, as carótidas pulsando visivelmente,
a respiração torna-se ruidosa. Findada a ascensão, mesmo as vigorosas pernas
tornam-se cambaleantes e imprecisas para encarar a descida consecutiva; assim
sucede-se quilômetros a fio sem encontrar qualquer planície que proporcione
alguma trégua. A altitude média de novecentos metros garante uma temperatura
amena mesmo sobre o trópico, todavia os raios solares incidem com violência
quando em raríssimos momentos a floresta permite. As arvores são altas, algumas
gigantescas. Porém, uma vegetação intermediaria dificulta a progressão por isso
seguimos por tênues trilhas utilizadas pelos índios, o que acelera o deslocamento.
A instabilidade do tempo é inigualável, chuvas muito fortes se iniciam tão
inesperadamente quanto desaparecem, tornando o equipamento mais pesado; a roupa
permanece constantemente molhada se não pela chuva, pelo suor. O caminho é
rompido com coturnos, o que mantem alguma estabilidade no tornozelo, garante
uma proteção adicional a cobras e galhos, entretanto, frequentemente molhado,
causa desconforto adicional. Com bom preparo físico, dez a doze horas de
caminhadas consegue vencer somente dez quilômetros (calculados em linha reta
nas cartas de localização).
A maioria das tribos locais já
teve algum contato com o homem branco, por elas caminhamos sem muitos riscos de
ataques (a presença do exercito parece interferir pouco na rotina do índio), todavia,
algumas regiões o índio não teve contatos ostensivos, permanece praticamente
intocado. Nestes locais nem garimpeiros, nem agentes da FUNAI e FUNASA se
arriscam.
A
RENDIÇÃO
Com o dia já escuro um homem de aproximados
35 anos se apresentou no portão do pelotão de fronteira (em um raio de quase
200 quilômetros nenhuma cidade interpõe-se à floresta), descalço, com uma
mochila do exercito quase vazia e um tanto gasta, um shorts curto e uma
camiseta velha e suja. Falava compassadamente, traduzindo calma. Aparentava
estar bem, à luz mostrou-se hidratado, corado, nutrido, os pés estavam
discretamente edemaciados, alguns cortes na sola, mas nada que interferisse em
seu caminhar.
Garimpeiro, tendo seu suprimento temporariamente cortado, devido a operação
do exercito (que impôs temporária cautela aos pilotos do garimpo próximo),
ficando quase sem mantimentos, preferiu entregar-se à seguir penosamente para
cidade. A distancia de 45 quilômetros do garimpo ao pelotão garantiu 4 dias de
caminhadas, com turnos de mais de 12 horas e descalço (o chinelo arrebentara). Na mochila ainda havia um pouco de farinha,
que era consumida com racionamento, e a alimentação era complementada com
palmito derrubado e consumido no trajeto (a despeito da proferida diversidade
biológica, é extremamente difícil alimentar-se na selva, raras arvores
frutíferas, os animais são ariscos e sem uso de arma ou armadilhas é
praticamente impossível capturar algo para comer).
Para o garimpeiro este deslocamento pela selva apresenta um risco
adicional, os Yanomami que podem ser tão hostis quanto o próprio ambiente.
Porem, a audácia, o senso de localização, o conhecimento do território
provavelmente deve ser acompanhado de saberes suficientes sobre o lido com as
tribos locais.
O
GARIMPO
O ouro extraído, segundo disse, já havia sido escoado para a capital
pelas ultimas aeronaves. Referia trabalhar sozinho, mas próximo a um garimpo
maior cuja produção diária era de aproximados 200 gramas e extraída pelo
trabalho de uma equipe de 6 garimpeiros mais o trabalho do índio que é
negociado em gêneros, armas, munições, roupas, lanternas, etc. O garimpo é
feito junto aos cursos d’água onde os barrancos são desmontados com jatos
d’água, ou a terra é retirada do fundo do rio (ali um mergulhador direciona o
cano de aspiração). A água com terra, lama e ouro e mercúrio é depositada em
uma caixa com predomínio em comprimento cujo forro é composto de um tecido
parecido com um carpete. Ao decorrer do processo as partículas mais pesadas são
depositadas neste tecido que posteriormente é lavado, o conteúdo dessa lavagem
é uma terra fina amarelada com grande teor de ouro que esta amalgamado com
mercúrio e da queima desse material evapora-se o mercúrio resultando em um material
de maior teor do precioso minério.
No garimpo os trabalhos são mensurados em gramas de ouro. O mergulhador detém
40% da produção, a outra porção é dividida entre os demais trabalhadores. Uma mulher
acompanha o grupo, encarrega-se do preparo da alimentação e também presta
serviços sexuais. Os fretes dos aviões também são combinados em gramas do minério.
A produção é vendida em torno de 15 reais mais barata que o valor do
mercado legal. Atualmente creio que nesta região o ouro esteja cotado em 95
reais a grama, neste caso a produção de 200 gramas por dia a 80 reais/grama rende
em torno de 16 mil. No mês são 6 quilos de ouro ou 480 mil reais no cambio
negro.
A
LOGÍSTICA
Este garimpeiro que, segundo
referiu, trabalhava com o auxilio dos índios chegou até a região partindo de
Boa Vista em uma canoa, levando cerca de 35 quilos em gêneros, facão, munição,
rede, lona e a caixa para separação bruta do ouro, demorando cerca de 10 dias
para chegar até o presente local.
O transporte dos suprimentos,
equipamentos e escoamento da produção, bem como o transporte dos demais
garimpeiros é feito por aeronaves monomotores, conhecidas como papatango. Com
capacidade para até meia tonelada, cada viagem da aeronave custa em torno de
150 gramas de ouro (12 mil reais). As pistas clandestinas são abertas no meio
da floresta, sob um trabalho hercúleo para a remoção das arvores e raízes.
Estreitas e curtas, as pistas representam um risco importante para os pilotos,
em alguns locais a pista é tão curta que o avião é amarrado a uma árvore e
quando atinge o torque máximo a corda é cortada para que assim possa decolar em
distancias mais curtas. (fotos da pista clandestina, inclusive desta que era
usada neste garimpo, estão mais abaixo na postagem, outra foto mostra o soldado
recolhendo bujão do garimpo próximo à pista clandestina)
Na ultima missão que realizei,
há 40 kilometros do pelotão, encontramos um trator de esteira grande no meio do
mato, que deve ter sido abandonado há cerca de 10 anos. Peça a peça o trator
deve ter sido transportado por aeronaves e remontado na selva, o que mostra uma
atividade organizada.-
A despeito deste estranho
ocorrido, o garimpo ilegal na floresta se mantem com grande intensidade, o
controle realizado na floresta é quase insignificante em relação à dimensão do
território e as dificuldades de deslocamento, além de muito caro.
Acho difícil posicionar juízo de
valores muito estreitos sobre a questão do garimpo e especialmente dos
garimpeiros. Macroestruturalmente a ascensão social e o acúmulo são a ordem do
dia, para trabalhadores com baixo nível de instrução formal o mercado de
trabalho legal não oferece qualquer oportunidade que se aproxime às
possibilidades de ganho de um garimpo nestas regiões. Todavia, podemos acrescer
informações para que cada um possa avaliar melhor.
O
IMPACTO DO GARIMPO
O mercúrio: existe muita
divergência na literatura sobre a quantidade emprega no garimpo na região
amazônica, mas os valores ultrapassam 100 toneladas/ano, sendo que cerca de
metade vai para os cursos d’água e outra metade para a atmosfera (que é
rapidamente reincorporado aos cursos fluviais por meio das chuvas). Este metal
tem caráter cumulativo nas cadeias biológicas, especialmente a forma conjugada
(dietilmercúrio) que atravessa facilmente barreiras biológicas, dentre seus
efeito sobre o organismo humano destaco a neurotoxicidade.
O cianeto: não descrevi acima,
porem o cianeto é utilizado na lixiviação do ouro, esta substancia não
apresenta o mesmo caráter cumulativo, porem seus efeitos na intoxicação aguda,
com muita frequência, são fatais. Se não me engano, no ser humano é um
desacoplador da cadeia de elétrons, é o vulgo chumbinho usado clandestinamente
para matar ratos.
Alteração física: existe
significativa alteração no leito e margens dos rios, a modificação do nível de
minerais em suspensão na água altera gravemente a luminosidade o que interfere
na base da teia alimentar dos rios, o fitoplanctom. Isso tudo modifica bastante
o ecossistema aquático e ribeirinho.
Impactos políticos, sociais e
econômicos: é importante considerar, na composição do nosso raciocínio, o
emprego de trabalho de menores de idade, a prostituição, comércio ilegal de armas,
acidentes de trabalho, a venda ilegal de mercúrio (anualmente o garimpo ilegal
na Amazônia consome sozinho mais mercúrio que toda a necessidade nacional/ano).
A morbidade e mortalidade são muito elevadas para os trabalhadores do garimpo,
acidentes de trabalho, violência, malária, intoxicações por mercúrio.
O índio: as populações nativas
ficam sujeitas à contaminação por mercúrio, além disso, é importante lembrar
que em muitas tribos a imunização não é realizada, ficando a mercê de germes
trazidos pelo homem branco. A introdução da arma de fogo, especialmente nesta
região de Yanomami, tem provocado mortes frequentes pelo uso de arma de fogo em
seus conflitos que originalmente eram travados com uso de bastões de madeira o
que raramente provocam ferimentos fatais.
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