30 de jun. de 2013

Sobre os Yanomami - impressões de poucos dias (relato)




Ultraresumidamente: algum tempo se passou, não muito. Estou médico e oficial do exército e vim parar no meio da selva amazônica, na serra de surucucu onde habitam índios com pouquíssimo contato com o branco... 

Tive alguns contatos com os indígenas da região, os Yanomami, sendo a maioria deste contato em situações de atendimento médico sob regime de urgência e emergência desencadeado por violência entre esta população. Parece tratar-se que “A Guerra, tal como praticada por esse grupo indígena, faz parte de uma estrutura diacrônica que organiza a rede de suas relações sociais em sua interface com o espaço e o tempo” (Rogério Duarte). Aqui, os índios não compõe uma população homogênea, estão distribuídos em pequenos grupos com dinâmicas próprias e até caracteres fenotípicos distintos foi possível observar entre grupo e outro. Parte das minhas restrições para o atendimento dos índios no posto médico da Funasa se baseia em manter uma posição neutra entre os diferentes grupos, de forma a não prestar atenção privilegiada a qualquer grupo, e resguardar o pelotão de conflitos específicos. Algumas missões na selva são acompanhadas por guias Yanomami, porem, muito de sua rota é baseada na relação de amizade ou inimizade com grupos vizinhos, estando até mesmo sua trajetória limitada por estas relações. Percebe-se claramente que “os conflitos intercomunitários e a dinâmica dos ciclos de vingança” influenciam de maneira explícita suas atividades cotidianas e rituais. 

O que tenho presenciado são conflitos de grande monta, verdadeiras batalhas. Ontem presenciei parte do resultado destes conflitos: atendi 3 pacientes alvejados na cabeça e uma criança no tórax; o piloto relata 4 mortes e outras 2 evacuações que não presenciei (enquanto digito escuto as aeronaves pousando para as evacuações). Superficialmente conversando com quem esta na região há algum tempo, e em conversa fragmentada com alguns índios (são poucos os que falam nossa língua), parece que os conflitos encontram em suas composições questões de rivalidades anteriores, com peso de vingança e que novos conflitos estão baseados em questões alimentares e de “posse” e “roubo” das mulheres (ainda não compreendi como isso se da, conversar diretamente com as mulheres é difícil, não encontrei alguma que falasse com o mínimo de fluência o português). Como exemplo, o próprio conflito narrado a cima, segundo índios que acompanhavam os feridos, foi desencadeado pelo “roubo” de frutos de pupunha. Pode parecer algo terrível a briga por míseros frutos, todavia, observando as crianças pude constatar desnutrição proteica importante em todas (pergunto-me se o fenótipo de 1,5m de altura é mais que uma questão genética, se não é uma manifestação da privação proteica), neste caso não se trata somente de frutos, mas sim da própria sobrevivência. Eu estou ajudando na manutenção e expansão da horta do pelotão, e pude constatar a pobreza do solo que é bastante arenoso e necessita de um trabalho adequado na preparação da terra para conseguir alguma produtividade (incluindo adubação, irrigação e correção de pH), imagino então que disputa por regiões de maior produtividade estejam em jogo, especialmente considerando a dificuldade de obtenção de alimento neste lugar, as poucas técnicas de cultivo, e em como estas tribos não apresentam um caráter nômade sob regime de tamanha privação (eles também não criam animais). A questão das mulheres, parcialmente, pode ser associada ao infanticídio que restringe a população feminina, gerando mais disputa entre os homens, fatores sociais e culturais ainda não tenho condições de avaliar. 

Uma situação que me parece de risco é a atividade das equipes de saúde da Funasa, estes trabalham sem a presença de um médico (embora eu creia que deva existir este profissional em algum contrato), com poucos recursos farmacológicos e de instalações. Além disso, esta equipe encontra dificuldades de realizar atividades em alguns grupamentos, aparentemente pela presença do garimpeiro que se associa, de certa forma, a alguns grupos indígenas, oferecendo recursos em troca de elementos logísticos e na manutenção destas equipes afastadas (para não comprometer a localização dos garimpos – região rica em ouro e diamantes). 

Estas diferenças culturais estão sendo difíceis de administrar, pessoalmente, confesso que nem sempre consigo manter uma atitude empática em relação ao índio, ainda me faltam recursos para compreender. 

Os atendimentos que prestei foram em situações desapropriadas, faltando recursos farmacêuticos e instrumentais para um trabalho adequado, clampiei e oclui artérias a céu aberto no meio de moscas sem recursos anestésicos ideais, instrumentais, nem assepsia apropriada. A segurança também é precária, alguns índios sondavam o atendimento empunhando facões. Diante desta situação solicitei a presença de um soldado armado, e cogito a possiblidade de andar com uma pistola 9mm que é autorizado para oficiais médicos nesta região do pais. 

Aqui não existe aquela imagem idealizada do índio, tão pouco de suas guerras. 

Segundo reporta Rogério Duarte do Pateo: 

“Entre os Yanomai, não há captura de troféus pelos matadores. Essa ação parece substituída pela destruição total de objetos do morto pelos sepultadores. Por sua vez, a aquisição de novos nomes, tão importante em outros contextos etnográficos, dá lugar à obliteração total dos nomes das vítimas.” 

“Suas raízes estão fincadas em um registro simbólico que é baseado na decomposição política e ritual do corpo e da pessoa do morto, decomposição esta que configura, em teoria e ato, a alteridade canibal como eixo ideológico fundador da totalidade social e cultural Yanomami.”