23 de jan. de 2011

Conversa de artista

Estufou o peito, aumentando ainda mais a corpulência robusta, não desviaria um centímetro pro lado da linha imaginaria que seguia na calçada. Viu que o rapaz aproximava-se distraído, olhando para o chão, com os braços flexionados e os polegares presos na alça da mochila e, fatalmente, acabariam se trombrando.

Uma espécie de raiva, mesclada com ansiedade, medo, e uma satisfação orgulhosa precederam o esbarrão. Sentiu um ódio ictal, como se a esquiva fosse resposabilidade exclusiva e negligenciada pela distração do rapaz.

Porra! – disse o rapaz sendo repelido fortemente para o lado em virtude da flacidez de sua musculatura despreparada para a transferência súbita de energia.
Cala sua boca filho da puta! – respondeu com o indicador vigorosamente setado na direção do rapaz.

Ansiava uma treplica do garoto, assim poderia precipitar, sua musculatura preparada, em um confronto. Qualquer palavra, mesmo uma repetência da manifestação inicial, seria suficiente para desencadear uma poesia bruta, rápida, incisiva e que seria lembrada e sentida por muito tempo.

Olhou com rugas violentas expressas na face, mas nem resposta nem olhar recebeu de volta. O rapaz se recompôs e partiu em silêncio.

Satisfeito, mas não plenamente, alisou a alça esquerda do suspensório. Uma sensação agradável percorreu seu corpo, e pode sentir as pernas mais leves, devido à descarga adrenérgica, e o impacto seco do coturno na calçada reverberava em suas pernas.

Relaxou o tórax, e soltou o ar excedente que inflava a carcaça pujante. Mais alguns passos se seguiram...

Seu pau no cú! – virou-se rapidamente e braços magros tinham na extremidade um bulldog firmado com as duas mãos tensas. A visão da abertura do cano e as ponteiras de chumbo no tambor fez com que o negro dos olhos claros se ampliassem. Reflexamente, levou a mão direita à frente, entre a arma e o rosto, e contraiu a musculatura facial.

Então, a tréplica...

O percussor transferiu a cinética do indicador e a catálise da pólvora propeliu o petardo plúmbico. O tecido glabro rompido, segundo metacarpo fraturado, deram passagem ao ponteiro, já deformado pelo impacto. Frações de segundos no ar e uma nova trajetória transfixou a pálpebra inferior, rasgando o globo ocular. A cabeça inclinada para traz, resultado da esquiva reflexa, garantiu que à passagem forçada pelo esfenóide, desse a bala um percurso ascendente no encéfalo. Metacarpo e esfenóide, pouparam o parietal, e com cinética insuficiente o metal alojou-se na massa tépida.

Quis levar a mão ao rosto, mas um espasmo tônico lançou seu corpo ao chão. O pescoço tensionado para traz e a boca fortemente fechada, ressaltou os vasos do pescoço e o platisma. A viscosidade morna e ferrosa tingia o chão em golfadas.

Sem romance nem heroísmo, sentiu que algo grave acontecia. E a perspectiva da morte chegava paulatina em meio a negações. Nem policia, nem punk, nem outro careca ou alguma treta a ser lembrada, uma bala anônima, uma história anônima; essa perspectiva acresceu pavor.

Toda a força física cultivada diariamente não impediu de sentir-se frágil, um medo crescente impeliu a buscar ajuda. Palavras não se formaram, apenas alguns grunhidos em meio a estertores.

A respiração encurtava e a freqüência aumentava, a tez empalidecia. Os pensamentos tornavam-se ainda mais confusos.

A tensão muscular passava, e o controle se reestabelecia na mesma medida em que uma dor pulsátil era sentida em crescente na hemi-face estourada. Virou-se e, em decúbito lateral, apoiou a mão sã no chão e com esforço quase se pos sentado, mas faltou-lhe força, ou talvez o controle da força e, sem resistência, tombou de lado, o ombro atingiu primeiro o chão, gerando um efeito chicote, lançando a cabeça com força contra o cimento tingido de vermelho.

Curvou a cabeça, quase encostando o queixo no esterno, e as mãos tentavam agarrar os cabelos que, em cabeça raspada, não davam margem para preensão. Enquanto isso, as pernas se fletiam e voltavam a esticar, uma após outra, dando certa impulsão ao corpo que se arrastava sobre o próprio sangue.

A pintura se estendeu por cerca de dois metros, até que apenas espasmos curtos restassem.